Pode o Porto entrar no mapa da Europa criativa? (Público)

Pode o Porto entrar no mapa da Europa criativa? (Público)

http://jornal.publico.pt/pages/section.aspx?id=71725&d=19-06-2011



Em 2008, um estudo concluiu que o Norte tem capacidade para se tornar a região criativa de Portugal. Desde então, o discurso tornou-se realidade? Os agentes do sector, que participaram no congresso Portugal Criativo, dizem que há passos nesse sentido, mas ainda falta "massa crítica"



Em dois anos de vida, a empresa Jump Willy amealhou uma carteira de clientes que contrasta com a pequenez da sua estrutura. A produtora, com sede na incubadora de empresas de som e imagem da Universidade Católica no Porto, já fez música para anúncios da BMW, Opel, H&M e La Redoute e toques polifónicos para a Sony Ericsson, por exemplo. Uma empresa com dez trabalhadores fi xos dá conta do recado? Sem dúvida, garante Gonçalo Cruz, um dos sócios: "Estamos a falar de brain power". É também de ideias que é feita a Munna, empresa de Paula Sousa com três anos de existência que trabalha com redes de hotéis como a Four Seasons. A partir de Leça do Balio, Matosinhos, só em 2011, a Munna, que produz mobiliário à mão em que as tradições portuguesas estão fortemente presentes, já facturou 300 mil euros, mais 40 por cento do que em 2010. Novamente, o mercado é global para esta empresa com seis trabalhadores: 80 por cento do volume de vendas destina-se ao mercado externo.

A OSTV apostou nas parcerias para montar um canal de televisão (o Canal 180, que começou a emitir no final de Abril na posição 180 da grelha digital da Zon) dedicado à cultura, com apenas dez pessoas e um arsenal tecnológico que é 90 por cento mais barato do que o habitual no mundo televisivo, nas contas do mentor do projecto, João Vasconcelos.

São empresas como estas que fazem o director da Agência para o Desenvolvimento das Indústrias Criativas (Addict), Carlos Martins, acreditar que o Porto tem capacidade para ser uma espécie de "Berlim do Sul da Europa", isto é, uma cidade relevante no mapa mundial da economia baseada na criatividade. O tema foi discutido nos últimos três dias, no centro histórico do Porto, no congresso Portugal Criativo.

"Não temos hipótese de criar uma produtora no Porto que compita com Hollywood", diz Carlos Martins, há um mês e meio à frente da agência que tem como objectivo pôr os vários agentes do sector criativo do Norte a trabalhar em rede (um indicador do tamanho crescente da teia: a Addict tem agora 110 sócios). Mas Portugal - e o Norte, em particular -, prossegue, tem um "capital simbólico", ligado à tradição e ao saber fazer, que é uma vantagem competitiva e "encerra em si um potencial económico". "A nossa memória é o que produz imaginação", reflecte. "Não lideraremos se copiarmos o modelo anglo-saxónico". Carlos Martins ajudou o consultor Tom Fleming a fazer o estudo, apresentado em 2008, que concluiu que o Norte tem capacidade para se tornar a região criativa de Portugal e, no processo, regenerar a sua economia. Será discurso ou realidade? A questão não se põe: "Estamos na realidade, porque o discurso já é realidade. Já estamos a transformar", argumenta. "Há 60 milhões de euros que estão a ser investidos", oriundos da União Europeia, porque fazer do Norte um pólo criativo é visto "como um projecto" sustentado. Martins diz que a Addict, fundada em 2008, ajudou a criar "espaços de apresentação" de criatividade, como o projecto Estaleiro, em Vila do Conde, e o ciclo de teatro Odisseia, e ajudou, sobretudo, a "criar discurso" e a consciência do valor económico deste sector que, segundo um estudo do antigo ministro da Economia Augusto Mateus, com dados até 2006, representa 2,8 por cento da riqueza gerada em Portugal e dá emprego a 127 mil pessoas.



Pequeno é bom

Para Carlos Martins, o discurso também se traduz em acção, como demonstram a transformação do Mercado Ferreira Borges em Hard Club (um dos palcos do Portugal Criativo), o Palácio das Artes, também no Porto, a iMod, incubadora de negócios ligados aos têxteis e à moda em Santo Tirso, a Oliva Creative Factory no antigo pólo industrial da Oliva, em S. João da Madeira, e um mestrado em Gestão de Indústrias Criativas na Católica. Obra que faz Martins sorrir, mas não o satisfaz: "Falta fazer 99 por cento" do trabalho.

Para Paula Sousa, da Munna, o "saber fazer manual", presente em diversas pequenas oficinas, sobretudo no Norte, é uma maisvalia que é preciso agarrar. É com elas que a Munna trabalha: os designers da empresa desenham as peças de mobiliário (nomeadamente, cadeiras e sofás), que entregam depois aos artífices dispersos pelo território. "Os designers trabalham lado a lado com os artesãos", vinca.

Muitas oficinas com quem a Munna começou a trabalhar "estavam paradas", sem trabalho.

Paula Sousa acredita que a tendência de consumo está a favor da sua aposta: as pessoas fartaram-se do design minimalista e "querem peças que apelem à emoção".

Este potencial de desenvolvimento local das indústrias criativas é também sublinhado por Gonçalo Cruz, que fica feliz quando a sua Jump Willy participa em projectos com outras produtoras ou com freelancers do Porto. A empresa prefere "ser pequena e flexível", recorrendo a freelancers quando tem novos projectos em mãos.

Gonçalo Cruz diz que o facto de o Porto estar numa posição subalterna face a Lisboa tem vantagens. "Obriga-nos a olhar para fora", argumenta. E o "fora", o mercado externo, está perto, graças ao Aeroporto Francisco Sá Carneiro, que o empresário (que passa boa parte do tempo no escritório da empresa em Londres) identifica como uma "grande vantagem competitiva" da região. Outra: "a marca Porto é reconhecida, talvez devido ao futebol e ao vinho do Porto".

João Vasconcelos, da OSTV, diz que o Canal 180 "podia ser feito em qualquer lugar de Portugal ou do mundo", mas escolheu o Porto para o fixar porque identificou que "existe um cluster de indústrias criativas" e instituições "de classe mundial", como Serralves, Casa da Música, a Universidade do Porto (UP) e a sua Faculdade de Arquitectura. "O que ainda existe é pouca massa crítica e o hábito de os agentes se encontrarem mais", alerta o sócio da empresa, fixada no Pólo de Indústrias Criativas do UPTEC, Parque de Ciência e Tecnologia da UP. "Não há uma cola para que algumas coisas ganhem dimensão", lamenta.

O presidente da Addict também reconhece esse "problema de massa crítica" num sector que valoriza as especificidades locais, mas que exige também capacidade de operar no mercado global.

Nesse sentido, a agência já definiu três mercados externos prioritários para os próximos anos: Brasil, por "razões históricas", linguísticas e pelo seu crescimento económico; Polónia, por ser um mercado importante para "mais de 100 empresas portuguesas"; e China e Macau, onde em 2013 haverá uma ilha devotada a estes negócios, na qual a ADDICT quer ver empresas nacionais.
publicado por JCM às 10:09 | comentar | favorito